A dor me açoita
A dor é branca e me amordaça,
levanta a minha saia e mete sem dó
me vira de um lado pro outro as pressas como se
a minha carne fosse tão podre quanto a de
uma zebra de vísceras às moscas 
nas savanas da mãe África
A dor desfila seus poderes na minha frente com os vestidos 
que eu lavei e engomei com as próprias mãos
e lavei de novo porque caiu uma gota do meu suor
A dor é um homem negro que me despe, me ama, mas nunca fica
porque se todo homem tem uma mulher por trás
a dele sou eu, mas ele quer mostrar a que não tem cor 
que é pra não manchar seu currículo impecável
A dor bate as três da manhã na favela e 
vem toda pomposa arrombar a minha porta e
levar o meu filho até os braços da morte
A dor é o camburão da políciapassando lentamente ao meu lado
e me aliciando de madrugada faltando só oferecer dinheiro
porque eu sou preta e o meu corpo é mais deles do que meu
A dor é o olhar torto onde eu chego e nunca tem espaço pra minha cor
ou o olhar de surpresa na fila do emprego porque eu sou boa o suficiente
e isso quebra os protocolos do racismo
A dor é isso que eu tenho entre as pernas e me estende
num varal de solidão e descaso
A dor é o pênis que eu não queria ter e me recuso a aceitar
mas lutar contra a própria genética, assim
é coisa de branco
É tudo coisa de branco.
Pra mim, pra ser mulher, de cor só fica a dor.

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