eu quis escrever um texto cruel demais e sangrar todo o descarrego desse peito calcado em paranóia, mas a minha língua é doce e as letras que ensaiam tragar minha poesia são mais afiadas que a dor que os meus olhos vêem no desespero dos olhos dela. eu quis falar de amor, mas a tinta da minha caneta é tão negra quanto o tom da minha pele e quanto os fios dos cabelos dela -que já são brancos, mas ela insiste em disfarçar a idade. deve ser o medo de que eu perceba o cansaço estampado nos teus ombros. eu quis escrever sobre evolução e espírito, mas o meu próprio anda a mercê desse corpo curvado é o dela há tanto caminha por aqui que transcendeu a elevação. eu quis falar da tristeza, mas ela me calou o choro com uma história que começava assim: um dia você nasceu. um dia você nasceu e ninguém acreditava, de tão pequena, mas eu sempre soube que seria grande. de novo eu quis falar de amor, mas ela amou primeiro e me fez perceber que do amor eu nada sei.
o amor hoje é o jeito que eu acordei com o estômago remoendo as borboletas sem conseguir digerir as asas e elas ficam assim meio voando pra lá e pra ca fazendo cócegas na minha barriga ou o jeito que eu acordei naquele no meio do nada e o banho de cachoeira depois do sol invadindo meus cantinhos todos a água é tão gelada quanto o frio que da na espinha da nunca aos pés quando os dedos dela te tocam dos dedos entrelaçados e em cada espaço entre um corpo e outro há de se ver sem falhas um universo e mais outro e mais mil pois cada um tem o seu e cultiva ali, naquele espaço entre um corpo e outro uma fusão de cada um o amor, hoje... é o jeito que os olhos marcam cada detalhe como fossem câmera fotográfica pra mais tarde deitar a cabeça no travesseiro e ver tudinho refletir num sonho bom.
Comentários
Postar um comentário