Querida,
Eu estou no fim de tudo.

Caminhei os doze passos, um dia de cada vez. Era isso que dizia aquela música, você lembra? Aquela que eu te contei, escutei todos os dias durante meses dentro daquela porra daquela clínica. "Passo um dia feliz sem você", poderia ser sobre a falta que você me faz e eu felizmente tenho conseguido seguir hora após hora sem voltar a te perturbar. Ainda assim, eu preferia que esse trecho resumisse unicamente essa falta. É mais fácil lidar com o fato de estarmos tão distantes, do que enxergar o poço de mentiras e conflitos que eu me tornei por causa da cocaína. O suor frio que me escorre a nuca, noites febris, a falta... eu preciso dizer que eu dei uns passos pra trás e por isso resolvi te procurar. Tem sido dificil porque essa porra de um dia de cada vez não passa, o tempo ta parado e ainda assim a minha barba cresceu, meu cabelo perdeu até aquele corte engraçado. Eu sou inteiro um caminho perdido. Voltei pra casa, saí de novo, me perdi mais uma vez. Eu tô me sentindo em cima de um banco com uma corda no pescoço e esse banco tá prestes a cair. Tô na ponta do pé, entende? Pior de tudo é saber que se esse banco cair, não é na eternidade onde eu vou parar, mas na primeira boca ou fornecedor ou sei lá, qualquer lugar que possa suprir o meu vício e me fazer esquecer da droga do teu sorriso e do quanto eu estava seguro quando ele era o meu porto seguro. O vício é uma grande bosta mesmo. Eu tô aqui, rodeado de lembranças e nem sei quando começou tudo isso. A cocaína, o teu sorriso...
A essa altura você deve estar preocupada e se perguntando onde eu estive esse tempo todo. Pois é. Eu estava lá. Você sabe onde é. Eu visitei o inferno mais que João de Santo Cristo e você estava aqui esperando eu voltar em todas as vezes. Quer dizer, menos quando eu tinha 14 e ainda nem sonhava que você existia. Talvez eu tivesse jeito aos 14 se soubesse que existem coisas mais interessantes do que a cocaína. Eu sei, é tarde pra qualquer desculpa. Eu sei que ainda vou visitar o inferno mais algumas vezes antes de conhecer o céu e talvez eu nunca conheça. E não quero mais te arrastar comigo pra lá, longe de mim. É só que... eu não consigo parar. Não, eu não paro a hora que eu quiser, descobri isso da pior maneira possível e só tem um jeito de me fazer parar. Talvez eu deixe o banco cair. Então vim me despedir.

Adeus.
Com amor,
vício.

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